
Sem um ínfimo de lógica, mas com um risco em franco crescimento, a verdade é que se criou na nossa Assembleia da República a prática de se poder ofender quando se impuser, tomando tal apenas por liberdade de expressão, só suscetível de poder ser avaliada, muito mais tarde, pelos cidadãos eleitores!
Claro está que, desde que com um mínimo de seriedade e de lógica, qualquer um percebe, até com facilidade, que uma tal prática apresenta o poder de ir colocando em causa, de modo crescente, a péssima imagem que hoje marca a nossa Assembleia da República, mas também a própria política e a democracia que se está a perder.
Todos recordam, com toda a certeza, aquela referência do deputado André Ventura aos nomes de umas quantas crianças que, alegadamente, estariam a ocupar lugares de outras portuguesas. Uma intervenção que depois se veio a saber ter sido acompanhada de uma outra da sua colega Rita Matias, mas que, se percebi bem, terá sido muito mais pormenorizada. Ficou-me mesmo a impressão de que as duas se complementavam de um modo pleno.
Ora, recentemente, tomou-se conhecimento de que o Ministério Público abriu inquéritos a André Ventura e a Rita Matias, exatamente por causa das referências aos nomes das tais crianças estrangeiras a viverem em Portugal e presentes em certa sala escolar. Ficou-me a ideia de que esta decisão do Ministério Público sucede a um qualquer parecer da estrutura nacional ligada à defesa do sigilo sobre dados pessoais. E parece-me uma decisão correta, esta do nosso Ministério Público.
Quem for jurista, e mesmo quem o não seja, facilmente compreenderá que o que a lei define como crime é um crime. Sendo esta uma realidade de facílimo entendimento, também se compreende que um tal crime, assim tipificado nos códigos correspondentes, não pode deixar de ser crime apenas por via de uma combinação de um qualquer conjunto de cidadãos, sejam deputados ou outros.
Imagine o leitor que o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro combinavam entre si a possibilidade de poderem ofender-se sem limites no domínio público, com um deles a designar um outro por canalha, um segundo por descendente de um curta e o terceiro designando um qualquer dos restantes por ascendente de uma comprida. A pergunta que aqui lhe coloco é esta: em que pé ficariam as instituições, bem como tudo o que do respetivo funcionamento depende, mormente a democracia? Como seria vivida a consideração dos cidadãos nas suas instituições e nos seus representantes?
Esta ideia, que tem vindo a criar raízes em Portugal, está a conduzir a democracia ao estado em que nos encontramos. Se do Ministério Público vier a sair simplesmente nada, bom, ficaremos com a certeza de que Portugal irá de mal para pior. E sabe o leitor no que tudo isto irá terminar? Ah!, num qualquer tipo de Estado autoritário…