Seguir a verdade e a consciência
A noite desta segunda-feira, agora prestes a terminar, terá sido, e desde há muito, aquela em que jantei já perto da dez da noite. E tudo, como se percebe, em consequência de pretender saber o que iria ter lugar na governação do País, logo depois da reunião de trabalho entre o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o Primeiro-Ministro, António Costa. Bom, tenho que confessar que fui apanhado pela mais cabal surpresa.
Como certamente muitos outros concidadãos, há muito me havia dado conta de que o que se noticiava sobre o SIS não podia corresponder à verdade. Objetivamente, a grande comunicação social, tal como a generalidade dos partidos da oposição – foi notável a exceção do PCP –, foi criando uma narrativa de tipo altamente plástico, sempre centrada no caso do SIS, mas por igual no alimentar de quanto pudesse ter sido dito, por estes dias – até de outros, mais distantes –, por parte do Presidente da República. Já sem pudor, o Presidente da República era questionado sobre se não se justificava já dissolver a Assembleia da República, conduzindo Portugal a um novo ciclo eleitoral. De um modo simples: tudo parado durante meses, sem perspetiva de se conseguir minimamente melhor, com o Chega a poder crescer, o PSD sem dizer ao que vem, e com o País bastante bem nos mais essenciais domínios para os cidadãos. Embora, há que reconhecê-lo, com estes a viverem momentos de grande dificuldade. Podia já ter-se feito bem melhor.
O tempo político que varre hoje o Mundo é um tempo extremamente plástico, um tempo de vale-tudo. Caminha-se, indubitavelmente, para um ambiente de pensamento único, talvez mesmo para um novo ambiente de escravatura, agora comandado pelas descobertas da ciência e da tecnologia. É um tempo muitíssimo perigoso…
O desnorte hoje reinante tem sido acompanhado – é causa e é efeito – pelo regresso das velhas forças de Extrema-Direita, que muitos, incautos, chegaram a pensar terem desaparecido. Desta vez, contudo, e até à possibilidade de utilização controlada dos novos mecanismos de acesso ao pensamento de cada um, lá terá de continuar a brandir-se o valor democrático. Fazem-no a Extrema-Direita, mas também a Direita que foi moderada e é hoje arrastada por aquela. Tudo é já visível, embora mui raros se determinem a enfrentar, organizadamente, os perigos que uma tal sublevação virá a colocar à generalidade das pessoas.
É do conhecimento geral o constante brandir do princípio da separação dos poderes, mas a verdade é que logo caem Carmo e Trindade sempre que a mesma, em certas circunstâncias, é utilizada. A estrutura do Governo é da responsabilidade do Primeiro-Ministro, que deve auscultar, naturalmente, a palavra, por acaso amiga, do Presidente da República. Mas o Primeiro-Ministro só pode ser responsabilizado pelos atos de sua lavra, nunca por pontos de vista que, porventura corretíssimos, provêm de alguém amigo, como o Presidente da República.
Do mesmo modo, o referido bom funcionamento interinstitucional pressupõe que o Presidente da República não se determine a chamar constantemente a atenção para o facto de estar atento à qualidade da governação. Quem tem de opinar sobre esta são os eleitores, dentro do que é expectável, mormente num tempo de maioria absoluta e quando se tem de enfrentar um conjunto vasto de grandes responsabilidades, porventura irrepetíveis.
Esta decisão de hoje do Primeiro-Ministro António Costa mostrou um político com uma coragem rara, para mais depois de quanto se tem podido ver e ouvir, seja da oposição, seja da grande comunicação social: se António Costa disser preto, respondem que é branco, e se dissesse branco, diriam que era verde. Seria sempre morto por ter cão e por não o ter.
Por fim, as reações dos partidos. Como foram diametralmente opostas as posições do Livre e da IL! O primeiro, preferiu que não tenham lugar novas eleições, apesar de talvez vir a crescer com elas, mas porque seria mau para Portugal e para os portugueses. O segundo, deitou-se a desenvolver uma teoria baseada na humilhação do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa às mãos de António Costa. Em todo o caso, esta teoria ainda ajudou a uma boa risada minha, tal era a ira do líder da IL!
O que esta decisão mostrou foi que Portugal dispõe hoje de um Primeiro-Ministro com rara coragem, capaz de defender a verdade e de seguir a determinação da sua consciência. Espero que João Galamba não deixe de tomar bem conta de que tal situação, no Mundo de hoje, é realmente rara.