30HÉLIO BERNARDO LOPESCom uma maioria absoluta à sua disposição, o PS de António Costa tem todas as possibilidades de realizar mudanças diversas que há muito se mostram essenciais para um melhor funcionamento global de Portugal, e que se espera tenham importantes reflexos positivos na vida e na segurança dos portugueses. E, sendo certo que os portugueses confiaram a atual amplitude de poder ao PS com o objetivo central de se não regressar aos terrivelmente inesquecíveis tempos de Cavaco, Passos e Portas, também daqui se conclui que será doloroso e alvo de um castigo forte por parte dos eleitores um qualquer fracasso da atual governação. Sobretudo, se o mesmo acarretar consequências sociais graves para a grande maioria dos portugueses.
01 – O Estado Social desde sempre se constituiu num referencial de fundo por parte dos portugueses, dado que o País foi sempre pobre e que, por via disto, sempre os portugueses se viram limitados no acesso a um nível de vida que terá sempre de considerar-se como uma marca de dignidade.
02 – A Revolução de 25 de Abril permitiu materializar aquele sonho, que também era um direito perfeitamente natural. Uma materialização que se operou através da Constituição de 1976, depois revista por diversas vezes, com vista a adaptar o País a novas realidades.
03 – O Serviço Nacional de Saúde, universal e tendencialmente gratuito, constituiu a peça central do Estado Social, dado que o acesso aos cuidados de saúde se constitui numa necessidade natural e quase constante. Manter um estado de saúde saudável é sempre difícil, havendo, a cada momento e por razões as mais diversas, a necessidade de recorrer a cuidados de saúde.
04 – Um serviço com esta finalidade, sendo extremamente caro, só pode conseguir-se com todos colaborando para todos. Mas requererá sempre uma gestão dominada e que seja capaz de minimizar as inevitáveis falhas que sempre terão de surgir num tal serviço. É um domínio onde se impõe semear para colher, mesmo que, a uma primeira vista, tal possa mostrar-se caro e pouco reprodutivo.
05 – O acesso à educação é um outro setor deveras essencial, sobretudo, pelo papel de elevador social que sempre comporta. E deverá sempre caminhar-se para a gratuidade no acesso aos diversos escalões da estrutura de ensino. Uma situação que, sobretudo aos níveis mais elevados, deverá merecer um apoio amplo do setor empresarial, público ou privado, mas olhando, por igual, sinergias de natureza multinacional, ou ligadas a instituições da Comunidade Internacional.
06 – Neste domínio, é essencial linearizar o mecanismo da colocação de professores, e nas situações em que a mesma se impõe, mas iniciando uma vigorosa operação de retoma do prestígio da profissão docente. E tudo isto sem esquecer que o funcionamento das instituições de ensino precisa de ser completado para lá da função docente.
07 – A Segurança Social Pública constitui-se numa outra grande conquista das sociedades mais modernas e avançadas, dado que a mesma, em essência, se constitui em medidas de apoio nas situações mais difíceis de vencer por parte das pessoas e das suas famílias, mormente nas idades mas avançada e numa sociedade cabalmente envelhecida.
08 – O turismo constitui um setor deveras importante para a vida do País, dadas as suas caraterísticas globais, como clima, gastronomia, cultura e um bom relacionamento humano por parte dos portugueses. Todavia, um funcionamento capaz do mesmo tem sempre a montante o controlo das entradas e saídas no território nacional. Infelizmente, sem grande nexo, o Governo de António Costa deixou-se arrastar para a infeliz ideia da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, começando a tornar-se claro que está presente alguma dificuldade em voltar atrás numa ideia que quase ninguém defende.
09 – A ideia de operar uma ampla e eficaz descentralização no funcionamento do País merece todo o apoio, mas tem de suportar-se num objetivo claro, sabendo-se que é preciso semear para colher, e que estas duas fases não são nunca concomitantes. Nunca se conseguirá uma descentralização eficaz, que promova o desenvolvimento global do País, sem dotar o interior das estruturas essenciais do Estado Social.
10 – Um novo aeroporto em Lisboa é algo que tem de ser realizado, sendo uma das mais terríveis marcas do desnorte político da nossa III República. Infelizmente, parece que do PSD, neste domínio, só poderá esperar-se a chicana. Simplesmente, o Governo dispõe de uma maioria absoluta e existem muito mais entidades com quem o Governo tem o dever de dialogar ao redor deste tema. Um dado é certo: os portugueses rirão, ainda mais, se esta grande obra pública nacional continuar a não sair do palco da conversa fiada.
11 – Há muito germina pelos ambientes da nossa Direita e da Extrema-Direita a ideia de operar mudanças no domínio da Lei Eleitoral para a Assembleia da República. Sem grande estranheza, também parece existir no seio do PS quem pense que o partido deve, ao menos, fazer uma reflexão sobre esta temática. Deitando mão de uma velha máxima, tinha de ser. No fundo, a rapaziada que também parece estar disposta a ir nesta onda não deverá ter um norte político minimamente estruturado: navegam à vista…
12 – Esta temática voltou a ser introduzida na conversa política, mormente ao nível da grande comunicação social, por Aníbal Cavaco Silva, o que nos permite repetir a máxima anterior: tinha de ser… Diz este nosso concidadão, fora de toda a realidade que pode perceber-se pelas convivências correntes, que a Lei Eleitoral para a Assembleia da República tem sido referida como responsável pelo afastamento dos deputados em relação aos eleitores, assim contribuindo para a deterioração da qualidade da nossa democracia. Bom, a verdade (e indiscutível!) é que tal explicação não colhe, nem mesmo minimamente.
A grande realidade é que quem opera tal referência é gente da Direita e da Extrema-Direita, sendo claramente percetível que a descrença na democracia nada tem que ver com a distância entre eleitores e eleitos. A causa do seu desenvolvimento radica, isso sim, na falta de resultados conseguidos pelas sucessivas governações: se aumenta, sem parar, o fosso salarial, se quem tem poder consegue (quase) inviabilizar o funcionamento da Justiça, se o futuro se nos mostra garantidamente como inseguro, porquê continuar a acreditar no poder e no valor do voto?!
Percebe-se, com forte facilidade, que certas alternativas eleitorais – diminuir os grandes círculos eleitorais, subdividir alguns, fazer crescer alguns dos mais pequenos e criar um círculo eleitoral nacional de compensação, etc. – em nada mudariam o atual panorama da descrença no valor da democracia. De resto, esta descrença estende-se um pouco por todo o mundo onde estão presentes as designadas democracias, incluindo o próprio Reino Unido. O problema que une toda esta mancha de descrença na dita democracia reside, isso sim, na falta de resultados das governações, sobretudo no domínio da insegurança global na vida e nas suas condições essenciais de dignidade.
Bem ou mal, o funcionamento do Sistema Político em Portugal assentou arraiais, criou uma referenciação social e cultural, pelo que estar a mudá-lo – só objetivos partidários podem justificar tais mudanças – ao que conduziria seria a um acrescento na perda dessas referências. Os portugueses não se queixam do Sistema Político, mas dos políticos. O Sistema Político é meramente instrumental, porque só serve para escolher os representantes da população eleitora. A democracia só vai estando em causa dado que a intervenção política a isso arrasta. A recente crise na Ucrânia, gerada, em última análise, pela expansão interessada da OTAN para as fronteiras da Rússia – lembrar o Papa Francisco –, se vier a conduzir a acrescentos com gastos militares em Portugal, deste modo retirando verbas de setores mais importantes para os cidadãos, mais ajudará à perda do prestígio dos políticos que assim vierem a decidir.
A democracia portuguesa está, pois, nas mãos do PS de António Costa. E pode agora sofrer as melhorias que os portugueses esperam há muito. Todavia, um falhanço nesta intervenção terá um preço terrível para o PS, mas também ajudará (e muito!) ao descrédito que vem varrendo as democracias (quase) por todo o mundo. E a verdade é que este tem uma boa dose de loucura, ou a Suécia e a Finlândia não se iriam envolver na OTAN, quando estavam fora de um jogo que está a tornar-se progressivamente mais perigoso. Se até aqui eram Estados neutrais, agora, depois desta opção, passaram a alvo das novas fases desta longínqua guerra entre Ocidente e Leste. Já dizia Adelino Amaro da Costa que o direito à asneira é livre. E tinha toda a razão.