Terça-feira, Setembro 24, 2024

Ano 113 - Nº 4892

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O jornalismo olha a política como um combate de boxe

Há muito que a nossa grande comunicação social vem ajudando a Direita, mesmo a Extrema-Direita, a abrir o seu caminho na peugada do poder. Isso mesmo nos contou José Pacheco Pereira, há uns três programas atrás, ao referir que nenhum Governo consegue sair bem do clima de casos e casinhos que se vem criando e ampliando a um ritmo diário. E logo completou que o mesmo se dará com o PSD, embora tenha logo corrigido o tiro: com o PSD não, porque esta atuação, depois, vai parar. Haverá quem não tenha percebido?
Conhece o leitor muitíssimo bem o modo como, a um ritmo frenético, se embandeira em Portugal com a separação dos poderes, mas logo se coloca este valor na prateleira quando o Presidente é do PSD e o Primeiro-Ministro do PS. Neste caso, o Presidente da República, para lá de poder usar do valor da sua palavra, deve mesmo ser de pronto obedecido por parte do Primeiro-Ministro: o Presidente aponta, o Primeiro-Ministro segue-o.
A nossa grande comunicação social pratica hoje um jornalismo de ringue de boxe, sempre suportado na ideia de encostar os políticos às cordas. Se o Presidente da República diz ao Primeiro-Ministro que lhe parece mal certo ministro, foi aquele a encostar o segundo às cordas, mas se o segundo não seguir o ponto de vista do primeiro, é este a ser encostado às cordas. É um problema muito português e deveras antigo.
Há já umas décadas, em casa do matemático por mim referido de quando em vez, disse-me este que Salazar nunca poderia voltar a aceitar os partidos, ou cair-se-ia, de novo, na balbúrdia da I República. E tinha toda a razão. Infelizmente, o meu histórico amigo já não terá podido acompanhar o baixo nível a que o jornalismo português chegou, tratando a vida política na base da intriga e à luz do fabuloso modelo do ringue de boxe.
Os nossos jornalistas, tal como os partidos da oposição e a generalidade dos comentadores, já haviam sido dilacerados com o surgimento da atual maioria absoluta, para mais depois de nos andarem todos a cantar a histórica cançoneta do empate técnico nas anteriores eleições para deputados…
De tudo isto foi-nos dado ontem assistir a um conjunto amplíssimo de aulas práticas em direto, com jornalistas, oposicionistas e comentadores (bem escolhidos) a zurzirem no Primeiro-Ministro, António Costa, ao mesmo tempo que tudo faziam para humilhar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, na expectativa de o conduzir a uma decisão que possa inverter os resultados eleitorais mais recentes para a Assembleia da República.
A nossa separação de poderes, de facto, é bastante pândega, porque a Direita e a Extrema-Direita, sabendo que o Presidente da República é do PSD, entendem que o regime é, assim, presidencial. Não o defenderiam, mas se fosse António Costa a estar em Belém, com Marcelo em S. Bento. Uns democratões, portanto. No fundo, tudo mostrando como o velhote Salazar, afinal, até sempre percebeu profundamente o modo português de viver a política. Como se vai vendo, um modo de ser que se mantém bem vivo.
Surgiu-me, durante o almoço de hoje, esta questão: se António Costa devia ter aceitado o ponto de vista de Marcelo sobre a não recondução de Galamba, será que Marcelo também deve ponderar opiniões públicas de Costa sobre a estrutura organizativa, incluindo no domínio pessoal, da Presidência da República? Porque, se a responsabilidade de estruturar a Presidência da República é do Presidente, a de se responsabilizar pelo funcionamento do Governo é do Primeiro-Ministro. Porque se este tiver de seguir os conselhos daquele, o que vier a dar mau resultado nessa escolha terá de ser assacado ao Presidente da República. De modo que é caso para perguntar: de tudo isto, o que é que os críticos profissionais de António Costa, do PS e do seu Governo ainda não perceberam?
Foi corajosa, como ontem escrevi, a decisão do Primeiro-Ministro, no sentido de manter João Galamba no Governo. Mas é agora essencial que o Presidente da República consiga resistir ao clima de intriga que tem vindo a porfiar na nossa grande comunicação social. Deve, pois, evitar opinar sobre a qualidade dos membros do Governo, já que a sua escolha é uma prerrogativa do Primeiro-Ministro, e também porque há muito se galardoa pela existência, em Portugal, da separação dos poderes. O Primeiro-Ministro procedeu deste mesmo modo: falou com o Presidente da República, ouviu os seus conselhos sempre ponderados e importantes, mas decidiu de acordo com a sua consciência. Afinal, se olharmos bem, quem veio revelar parte da conversa em Belém foi o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, com aquele ilógico comunicado, opinando sobre um tema que não é da sua área de decisão política.
Espero, pois, que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa não continue a repetir os episódios de Constança Urbano de Sousa, Marta Temido, João Gomes Cravinho e, agora, João Galamba. E que evite as suas lições em conversas com a grande comunicação social, porque o que esta faz é trabalhar o que possa dizer à luz do método do ringue de boxe, sempre à procura de quem encosta quem às cordas. Por muito que custe, a verdade é que Salazar nada tinha de desconhecedor da realidade cultural portuguesa…

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