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Em Ponte de Lima, todos o conhecem. É um dedicado comerciante há mais de 50 anos e, actualmente, é o mais antigo ex-presidente da Comissão de Festas das Feiras Novas.
José Fernandes, 85 anos de idade, nasceu na freguesia da Correlhã, mas desde cedo veio viver para a vila limiana.
Desde 1959 que está à frente do seu estabelecimento comercial, na Rua de Souto, nesta vila, que, como que um sinal dos tempos, está em processo de encerramento, certamente dando continuidade a novas apostas.
José Fernandes é um dos comerciantes da “velha guarda”, um guardião dos bons valores de quem sabe “atender ao balcão”.
Todos lhe reconhecem o seu bom trato, a sua delicadeza na forma como atende os seus clientes sem excepção.
O comércio foi sempre a sua actividade, o que o levou também ao movimento corporativo dos comerciantes limianos.
José Fernandes fez parte do Grémio Do Comércio, instituição fundado em 1905, mas que acabou por fechar as portas pela altura do 25 de Abril.
Mais tarde, em 1977, os comerciantes locais voltaram a dar as mãos à obra e renovaram o associativismo limiano criando a Associação Comercial de Ponte de Lima (ACPL).
A instituição abriu portas no Largo de Camões, no mesmo local onde anteriormente laborou o Grémio do Comércio e aí ficou até 2002.
José Fernandes foi um desses comerciantes, participou neste renascer do movimento associativo e acabou mesmo por presidir àquela instituição.
Mais tarde, em 1983 e ainda na sob a sua presidência, a Câmara Municipal de Ponte de Lima enviou um convite à ACPL para que esta organizasse as Feiras Novas.
O convite foi um desafio enorme para a associação que, não tendo experiência na organização deste tipo de eventos, mesmo assim aceitou o desafio.
José Fernandes diz que, na altura, “havia algumas críticas e pensa que as pessoas até talvez pensassem ‘vamos entalar estes indivíduos’, mas o certo é que aceitamos”.
“Eu entendi que era um desafio que estava a ser feito aos comerciantes e tínhamos que nos disponibilizar para realizar as Feiras Novas”, recordou José Fernandes.
Na altura a Câmara Municipal de Ponte de Lima atribui um averba de 900 escudos (450 euros) para a realização das festas, valor que se mostrou manifestamente reduzido.
“Pagamos caro esses 900 escudos”, recorda José Fernandes.
Isto porque quando a câmara organizava a festas, ela disponha dos seus funcionários, nomeadamente carpinteiros e pintores, dos telefones e de toda a estrutura camarária.
Porém, já o mesmo não aconteceu a partir do momento em que é a ACPL passou a organizar as festas. Nenhum desses serviços ficou disponível e todas as despesas inerentes ficaram a cargo da associação.
Isto levou a que se tivesse que recorrer a pessoas amigas, solicitando a colaboração em serviços, como cedência de camião, transporte de pessoas e demais logística.
José Fernandes recorda que essa edição das Feiras Novas foi inovadora. Pela primeira vez houve a cachoeira na ponte de Nossa Senhora da Guia.
“Foi uma coisa pequena, porque nessa altura não tínhamos experiência financeira dos anos anteriores e porque o dinheiro era muito pouco. Por isso fomos cautelosos”, recorda.
Uma outra iniciativa inédita da comissão de festas, foi o levantamento topográfico de todo o terrado.
Com esse novo instrumento a comissão de festas pôde gerir melhor cada um dos espaços disponíveis e fazê-lo de forma mais simplificada.
Segundo José Fernandes essa foi a primeira vez que tal trabalho foi feito, o que permitiu que cada feirante pudesse escolher a parcela, ou parcelas, que pretendia e pagar conforme a área ocupada.
Para que a festa fosse um sucesso muito contribuiu a ajuda de um vianense, também ele apaixonado por Ponte de Lima: Amadeu Costa.
Amadeu Costa, já falecido, nascido em Viana do Castelo, era etnógrafo e mostrou-se uma preciosa ajuda para as festas daquele ano.
“Foi um homem bom, que nos ajudou muito. Foi um homem excepcional connosco. Relacionou-nos com as pessoas que era preciso relacionar, com aquelas que era preciso convidar. Ele arranjou-nos todos esses contactos que eram necessários”, recordou José Fernandes.
Ele foi o obreiro do cortejo, que na altura se apresentou como um cortejo misto, juntando o histórico com o etnográfico.
“A ele devemos muito do sucesso. Chegou mesmo a trazer uns carrinhos de transporte de materiais dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo para integrarem o cortejo”, recorda ainda José Fernandes.
No final das festas Amadeu Costa teve um gesto de reconhecimento para com a Comissão de Festas. Mandou fazer, na Fábrica de louça da Meadela, uma chávena com pires alusiva à data, onde se podia ler “Feiras Novas 1983”.
Mais tarde, numa reunião, Amadeu Costa ofereceu um exemplar dessas chávenas a cada um dos elementos da Comissão de Festas como forma de reconhecimento.
Finalizadas as festas a ACPL recebeu uma carta a informar que a CMPL tinha deliberado por unanimidade que as Feiras Novas passariam a ser organizadas pela CMPL, colocando mesmo assim a possibilidade de membros daquela associação integrarem a futura Comissão de Festas, convite que os associados declinaram.
José Fernandes fala desta experiência de um só ano, como uma experiência positiva, já que, mesmo com um orçamento muito reduzido, conseguiram introduzir inovação nas festas e, no final, apresentar um saldo positivo.
Na altura, valeu o empenho de todos para que fosse possível entregar à Câmara um saldo positivo de aproximadamente 3000 escudos.
José Fernandes garante que se trabalhou “de forma muito dedicada e transparente. No final apresentamos contas publicamente, tendo sido publicado no jornal Cardeal Saraiva todos os valores cobrados e pagos com a realização das festas”.
Numa breve retrospectiva José Fernandes assegura que “as festas eram basicamente o que são hoje, mas com menos gente”. Hoje acredita que, “desde que haja bom tempo, a festa faz-se por ela própria.
As pessoas aparecem de forma espontânea com as concertinas, os cantadores… e a festa acontece”.