O julgamento da APPACDM de Viana do Castelo e do anterior presidente, por alegada burla de 2,4 milhões de euros à Segurança Social, que devia ter começado terça-feira, foi suspenso até à conclusão do processo administrativo, foi hoje divulgado.
O actual presidente da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM), Luiz Costa, adiantou que o julgamento, “já com várias sessões marcadas, devia ter-se iniciado na última terça-feira, mas a o coletivo de juízes que ia julgar o caso no Tribunal de Viana do Castelo “acolheu” a posição da Instituição Particular de Solidariedade e Segurança Social (IPSS), suspender o mesmo e aguardar pela decisão do Tribunal Central Administrativo do Norte.
“O Tribunal Criminal de Viana do Castelo acolheu a posição da APPACDM de Viana do Castelo quanto à necessidade de existir decisão final transitada dos Tribunais Administrativos sobre a existência de dívida, antes de sequer poder prosseguir o processo-crime, e decidiu suspender este julgamento, até existir aquela decisão transitada em julgado”, explicou Luiz Costa.
Segundo o responsável, a APPACDM argumentou que “além de sempre ter defendido não dever a quantia reivindicada pela Segurança Social, e que mesmo que existisse alguma dívida nunca será crime, sempre alegou que o processo-crime não podia prosseguir sem que a sua impugnação da dívida junto do tribunal administrativo estivesse decidida, em definitivo”.
“Por tudo o que vai exposto, e desde já lamentando o transtorno causado com o agendamento de vários dias para a realização do julgamento, com a notificação do todos os intervenientes processuais, decido suspender o presente processo crime até que seja decidido o processo administrativo nº 741/11.7BEBRG(…). Deverá ser comunicado ao referido processo esta suspensão, uma vez que, nos termos do n.º 2 do art. 47º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), esta suspensão determina a prioridade da decisão daquele processo, sobre todos os outros”, lê-se no despacho do tribunal de Viana do Castelo a que a agência Lusa teve hoje acesso.
No documento, o coletivo que irá julgar o caso refere que, “salvo devido respeito pela opinião já exposta em sentido contrário pelo juiz de Instrução Criminal, a matéria dos presentes autos, de natureza penal, tem por base matéria de natureza administrativa (se é devido ou não o reembolso de quantias à Segurança Social que alegadamente foram indevidamente recebidas pelos arguidos)”.
“Essa decisão, não obstante, referir-se apenas a parte do valor em análise nos presentes autos, face ao seu montante (1.864.671,85 euros) não deixa de ser absolutamente relevante para apreciação global da causa. Acresce que a factualidade em análise pela jurisdição administrativa, face às suas especificidades, em nosso entender justifica que se aguarde por aquela decisão, que se julga iminente, nem que não fosse para evitar uma possível contradição de julgados”, refere o despacho.
O coletivo adiantou entender estar “perante uma causa prejudicial, uma vez que a decisão do referido processo administrativo contende com a prática dos factos em análise, atenta a natureza da factualidade base do processo em causa, que imputa aos arguidos a prática de um crime de burla tributária qualificado”.
Em maio último, um juiz de instrução criminal de Viana do Castelo decidiu mandar julgar a APPACDM e o anterior presidente por alegada prática, entre outros, do crime de burla tributária qualificada de mais de 2,4 milhões de euros à Segurança Social.
Em causa está a alegada prática de “obtenção fraudulenta de pagamentos da Segurança Social e a inclusão nas listagens a esta enviadas de utentes que não beneficiaram da resposta social abrangida pelo acordo de cooperação”.
Segundo a acusação, mantida pela decisão instrutória de pronúncia, “com esta atuação logrou o arguido pessoa singular obter da Segurança Social para a IPSS, de modo indevido, a quantia de 2.474 358,56 euros”, refere a nota.
A acusação do MP foi deduzida em 2019, e tanto a instituição como o antigo presidente requereram a abertura de instrução.
De acordo com a decisão de pronúncia, proferida em maio, “tal como o Ministério Público na acusação pública, também o tribunal considerou indiciado que a arguida IPSS celebrou acordos de cooperação com a Segurança Social para desenvolver Centros de Atividades Ocupacionais nos diversos polos das suas instalações, sitos em Viana do Castelo, Valença, Melgaço e Ponte de Lima”.
E que, “simultaneamente, requereu e obteve do Instituto de Emprego e Formação Profissional financiamento a título de subsídios para formação profissional destinada aos seus utentes”.
E ainda que “o arguido presidente da IPSS, entre 2004 e 2010, para efeitos de recebimento dos apoios, fez incluir nas listagens dos utentes que frequentavam os Centros de Atividades Ocupacionais remetidas à Segurança Social também utentes que frequentavam a formação profissional, fazendo com que o mesmo utente, no mesmo horário, se encontrasse abrangido pelo apoio financiado pela Segurança Social e pelo apoio em formação financiado pelo IEFP”.
“Este duplo financiamento, prossegue a acusação mantida pela decisão instrutória, não era viável, não só porque legalmente vedado, como constava de instrumentos legais e dos acordos, mas também porque nunca poderia ter sucedido na prática, atendendo às finalidades e horários de cada um dos programas subsidiados”, especifica a nota da PGDP.
O caso começou a ser investigado pela Polícia Judiciária (PJ) em 2015, na sequência de uma auditoria realizada, em 2008, pela Segurança Social às contas da instituição que detetou a existência de “duplicação de nomes nas listas dos centros ocupacionais” da instituição.
Em causa está uma queixa-crime formalizada pelo Centro Distrital de Segurança Social de Viana do Castelo, em 2012, contra a APPACDM “por recebimento indevido de comparticipações da Segurança Social”.