Acesso exclusivo a assinantes
ENTREVISTA | Jorge Sá Eusébio – Lusa
O secretário-geral do Eixo Atlântico, Xoán Mao, disse à Lusa, a propósito dos 30 anos da organização transfronteiriça, que já ninguém na Galiza usa o termo ‘português’ como um insulto, porque tais “asneiras desaparecem” com o trabalho conjunto.
“Já não ouvirás ninguém, na Galiza, a usar o termo português como um insulto. E também já ninguém em Portugal utiliza ‘galego’ como um insulto”, disse, em entrevista à Lusa, o secretário-geral do Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular, cargo que ocupa desde outubro de 1995.
O Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular, cuja sede em Portugal se situa em Águas Santas, na Maia (distrito do Porto), é uma organização intermunicipal transfronteiriça que junta atualmente 39 concelhos do Norte de Portugal e da Galiza.
“Em Vigo, há 25 anos, ainda me lembro que o português era sinónimo de conduzir mal. Quando um motorista galego qualquer dizia ‘ah, português’, os galegos já sabiam do que se estava a falar. Isso desapareceu”, disse o secretário-geral da organização.
Segundo Xoán Mao, a utilização da nacionalidade como insulto, nos dois lados da fronteira, desapareceu porque “estas asneiras desaparecem quando as pessoas se conhecem e quando trabalham juntas”.
“Isto, para mim, é um símbolo físico do sucesso do nosso trabalho”, resumiu, fazendo um balanço “muito positivo” dos 30 anos de atividade do Eixo, formalmente constituído em 28 de setembro de 1992, em Viana do Castelo.
Xoán Mao disse à Lusa que na calha para aderir ao Eixo Atlântico estão três câmaras municipais portuguesas, que não quis especificar, fazendo com que a organização supere as quatro dezenas de municípios dos dois lados da fronteira.
O facto que “três mais pedem adesão” e de que já no próximo ano se superem os 40 membros faz com que a análise seja “muito positiva”, concluiu, realçando a persistência do Eixo após “a terceira crise: primeiro a económica, depois a pandemia e agora da guerra”.
Para o responsável, a preocupação do Eixo Atlântico, desde a sua fundação, foi “a de que não fosse uma superestrutura política, mas sim algo implicado na cidadania”, razão que justificou a existência de programas de desporto (como os bianuais Jogos dos Eixo Atlântico), cultura, ou estudos socioeconómicos sobre a região.
Já quanto à legitimidade política e institucional da organização, Xoán Mao reconheceu que o Eixo podia ter “mais implicação”, mas apenas se “se outros níveis de administração fizessem” o que o Eixo Atlântico faz.
“Nós temos um limite, que são as nossas competências. Há coisas que não são da nossa competência, mas são da nossa incumbência. Então, nós estamos a tentar trabalhar, também, naquilo que é da nossa incumbência”, explicou.
Como exemplo, o secretário-geral do Eixo Atlântico falou da ida “das pessoas que tinham de ir ao aeroporto Sá Carneiro [que serve o Porto], os galegos, durante o fecho das fronteiras”, durante a pandemia de covid-19.
“Como ninguém se ocupou do problema das pessoas que tinham de viajar e ir buscar os filhos, e não sabiam se iam poder passar, então fomos nós que demos toda a informação”, referiu.
Outro assunto em que o Eixo Atlântico interveio “foi quando o Governo galego, dentro das suas competências no controlo da pandemia, colocou os portugueses no mesmo patamar que o resto da Europa para os controlos de acesso ao país, neste caso da região”.
As autoridades galegas “repararam no erro, criou muito mal-estar, e imediatamente retiraram aquela condição, e os portugueses passaram a ser considerados iguais aos espanhóis, para efeitos de entrada na rede”, referiu.
“É óbvio que não era algo da nossa competência, mas era da nossa incumbência. Tudo aquilo que podemos fazer, fazemos”, considerou.
Segundo o responsável, “se os órgãos da Eurorregião fizessem menos propaganda e mais ações concretas, ainda daria para nós caminharmos mais juntos”.
Questionado acerca da relação atual do Eixo Atlântico com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), Xoán Mao disse que “desde que chegou o [presidente António] Cunha está muito bem”.
“É uma pessoa que acredita nisto, que já tem experiência na cooperação, tem boa cabeça, e não vem nem fazer asneiras, nem tornar-se rico, nem fazer elites da Foz”, disse Xoán Mao à Lusa.
Já o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial (AECT) Galiza – Norte de Portugal “não faz parte” da agenda nem “da vida” do Eixo Atlântico, segundo o responsável.
Xoán Mao disse que o AECT esteve “durante muito tempo” a ‘contraprogramar’ o Eixo Atlântico, no que “parecia uma guerra de protagonismos”, ao invés de se “trabalhar em conjunto”.
“Eles têm competências em assuntos que nós não temos, e se nós trabalhássemos juntos conseguiríamos coisas muito importantes para a sociedade, para as pessoas”, considerou.