Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Ano 115- Nº 4976

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Estrondoso silêncio

HÉLIO BERNARDO LOPES

O leitor tem tido (e à saciedade!) a oportunidade de acompanhar o quase diário folhetim, a nós trazido pelas televisões, ao redor da tal minha grande batalha da Ucrânia. Simplesmente, deram-se no mundo, entretanto, novas mudanças assaz perigosas para uma vivência capaz de um grau de liberdade essencial para os cidadãos. Uma destas mudanças foi a ligada à recente decisão do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos, hoje um verdadeiro Estado conservador dentro do Estado norte-americano, em torno do histórico caso “Roe vs. Wade”, que protegia como não sendo inconstitucional, desde 1973, o direito das mulheres ao aborto.

Acontece que esta decisão de 1973, de facto, não dizia que a matéria sobre que incidiu era constitucional, mas sim que a Constituição dos Estados Unidos não a proibia. Provavelmente, era mesmo omissa em face do tema. E tanto assim que a mais recente decisão não torna ilegais, no espaço nacional norte-americano, as interrupções da gravidez, mas devolve aos norte-americanos de cada Estado a decisão de, através dos seus eleitos, manter o direito a permitir, ou proibir, tal mecanismo, que era a situação vigente antes do emblemático julgamento.

Como não poderia deixar de ser, logo Trump, O Bronco, foi questionado sobre a recente decisão, tendo respondido que a mesma segue a Constituição, e traz tudo de volta ao nível de cada Estado, o que deveria ter sido sempre o caso. Ora, a decisão não segue a Constituição, até porque esta, quase com toda a certeza, é omissa em face do tema. Ou seja: não segue nem deixa de seguir.

O que decisão de 1973 do Supremo Tribunal Federal fez foi, sem nada de constitucional a opor-se-lhe, aceitar que este tema se encontrava ligado a um direito essencialmente individual, ligado a cada mulher, universalizando esta ideia ao nível de toda a Federação. Foi uma interpretação absolutamente justa e lógica.

Mas Trump, O Bronco, foi bem mais longe, revelando que o seu papel, ao nomear três juízes e assim colocar a maioria do Supremo Tribunal Federal no campo conservador, respondeu à vontade de Deus! E mais ainda: o cancelamento do direito ao aborto decidido pelo Supremo Tribunal Federal responde à vontade de Deus!!

Perante tudo isto, em Portugal, o PSD respondeu que não tem programada nenhuma iniciativa sobre o tema – são bota e perdigota à mistura. E mais não disse. O problema é que está aqui em jogo uma questão de direito individual das mulheres, ou seja, um essencial direito humano. Ainda assim, do PSD… o silêncio (mais que esperado). Vive-se um tempo estival, pelo que as ventanias têm baixa intensidade, impondo-se aos dirigentes laranja esperar por marcas mais garantidas da intensidade e direção deste vento norte-americano. E, mesmo nunca falando, eles recordam bem o homicídio do seu fundador principal…

Mais estranho, ainda, é o comportamento do PCP, que procura, a todo o custo, não ferir suscetibilidades junto do ambiente católico. Com espanto acrescido, o PCP não fez um qualquer comentário, mesmo que ligeiro, sobre um tão importante tema! Mostra, pois, tratar-se de um partido absolutamente conservador, que quase poderia pedir meças ao próprio Trump, O Bronco.

A verdade é que este tema nos causou espantos vários. O próprio Chega, não respondendo às tentativas para que se pronunciasse sobre esta decisão do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos, sempre se mantém atido, até nova mudança de rumo, à posição manifestada por André Ventura de que jamais pediria uma revisão da legislação nacional sobre o tema. O problema está em que, em 2020, lá veio a acolher no seu seio o Pró-Vida, partido conhecido pela sua forte oposição ao aborto. Um acontecimento que, permitindo alguma engorda eleitoral do Chega, também lhe tolheu o reiterar daquela garantia de André Ventura.

Ora, tudo isto tem lugar num tempo em que se tornou oficioso, em Portugal, que o Presidente Vladimir Putin é um mau, mas não Trump, O Bronco, de quem se soube agora – há quanto tempo se sabia!! – das pressões sobre o Departamento de Justiça, da criação de eleitores-fantoche no colégio eleitoral, dos pedidos de perdão presidencial, etc.. O problema é que se está aqui perante uma… democracia. É o que por aí se diz, embora já quase todos os portugueses com um mínimo de atenção ao que (ainda) se noticia tenham já percebido a fantástica vigarice de todo o Sistema Político dos Estados Unidos: vale tudo e o seu contrário, desde a vitória de Kennedy sobre Nixon, ou a de Bush sobre Al Gore, ou as acusações de fraude de Trump, O Bronco, sobre Biden e sua gente. Até o crime de alta traição dos homens da campanha de Reagan contra a reeleição de Carter, fornecendo armamento a Teerão através de Israel, a fim de que os americanos sequestrados pelos novos revolucionários iranianos assim se mantivessem até à tomada de posse do novo presidente, acabou por passar (quase) em branco. Bom, foram libertados cinco minutos após a tomada de posse de Ronald Reagan. Oficialmente,…nadinha. Uma democracia e peras! Um sublime Estado de Direito!! Referência mundial!!!

Nestes dias recentes, surgiu-nos este mimo, exposto junto do Senado, de um modo ajuramentado: basta dizer que a eleição foi corrupta, e deixem o resto comigo e com os congressistas republicanos. Palavra do Senhor Trump, O Bronco. E mais: Trump pressionou o seu próprio Departamento de Justiça para mentir sobre uma fraude inexistente na eleição presidencial.

Perante todo este rosário de criminalidade, despotismo e loucura, alguém terá reconhecido esta mais que evidente verdade: a (dita) democracia americana está absolutamente em risco. Tal como à beira do final de La Traviata, também aqui será já tarde, porque eu mesmo escrevi, à beira da última eleição presidencial, que uma reeleição de Trump, O Bronco, iniciaria a grande ditadura mundial. Era difícil, como penso, não perceber uma tal realidade, mas a verdade é que, lá pelos Estados Unidos, ainda não se conseguiu perceber se Trump, O Bronco, violou a lei, pondo em causa a (dita) democracia norte-americana. Pois, sendo assim, só poderá ser uma a causa: é que tudo foi fruto da vontade de Deus.

É à luz de toda esta realidade, perante os riscos que os Estados Unidos comportam para a liberdade dos povos do mundo, que boa parte da nossa classe política, até dos nossos portugueses mais bem apetrechados no plano cultural, se mantém em silêncio. Mau, claro está, só o Presidente Vladimir Putin. De resto, Trump, O Bronco, apenas conseguia gerar, junto dos nossos jornalistas, analistas e comentadores, meros sorrisos graciosos. E a causa é simples: é que temos a democracia…

 

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