redacao
25 de Abril, 2024
17:30
EDITORIAL
Hoje é um dia feliz. É o dia em que comemoramos os 50 anos da revolução dos cravos, do 25 de Abril de 1974.
Nesse dia já longínquo, corajosos militares saíram para a rua decididos em mudar o rumo de Portugal e levaram a cabo o golpe de estado que pôs termo a uma ditadura de 48 anos.
O povo saiu à rua de forma espontânea e juntou-se aos militares.
Distribuíram-se cravos vermelhos, gritou-se “o povo esta com o MFA”, cantou-se a “Gaivota” e o “Povo unido jamais será vencido”.
Havia alegria e grande esperança nas ruas deste país.
A liberdade começou a passar por aqui. E falou-se da paz, do pão, da habitação e acabamos por reconstruir um pais que hoje está manifestamente melhor do que aqueles dias distantes.
A revolução de Abril acabou com a guerra colonial, foi restabelecida a liberdade opinião e a imprensa renasceu livre.
Acabaram-se os dias de censura, acabou a ameaça do lápis azul e a sua prévia apreciação.
Pessoalmente, recordo-me de ter levado várias vezes provas do jornal Cardeal Saraiva aos serviços de censura em Viana do Castelo.
Naquele tempo falar e escrever requeriam cuidados especiais com as palavras escolhidas. Exigiam alguma arte e engenho para dizer as coisas … com “loisas”.
Não me recordo de alguma vez ter trazido uma missiva negativa daquelas paragens, mas é um facto que a tal censura atuava e inúmeras vezes, traçou o característico risco azul sobre as páginas do jornal Cardeal Saraiva.
Às vezes não bastava só retirar o texto proibido, era também necessário ter em atenção o que se colocava nesse mesmo espaço.
Num desses episódios de censura, em 1926, Avelino Pereira Guimarães, diretor e proprietário deste jornal, e que por sinal era meu avô, viu os serviços da censura proibirem a publicação de um texto em que o visado era o presidente da Câmara local.
Este por meio de contactos privilegiados teve conhecimento do conteúdo do texto e conseguiu que os serviços de censura evitassem a sua publicação.
Naquele tempo, o texto do jornal era feito em tipografia, que era o mesmo que dizer que havia que juntar todas as letras de metal uma a uma para fazer todo o texto. Um trabalho imenso que durava toda a semana com o empenho de equipa de tipógrafos.
Perante o corte do referido texto por parte da censura, Avelino Pereira Guimarães decidiu preencher aquele espaço com animais, porcos, galinhas e outros.
Após o jornal ter sido impresso, e estar disponível para os leitores, o diretor foi imediatamente preso. A colocação dos animais no lugar onde estava inicialmente o texto censurado foi tido como uma ofensa para o visado e, por isso, foi dada voz de prisão a Avelino Pereira Guimarães.
A indignação foi geral, tendo o jornal Cardeal Saraiva feito prontamente uma edição especial onde se reproduziram vários telegramas de diretores de jornais do Porto a exigir a libertação imediata do diretor do Jornal Cardeal Saraiva.
Hoje já longe desse dia, e volvidos 50 anos do 25 de Abril de 1974, Portugal é já um país diferente, mas com três grandes desafios por cumprir: a pobreza não foi erradicada, a corrupção cresceu e a liberdade é, muitas vezes, uma miragem comprometida.
A esperança de Abril é muitas vezes comprometida e precisa de ser renovada, sendo essa uma tarefa do governo da nação, mas também das autarquias.
O primeiro desses desafios é a habitação. Há 50 anos que nos debatemos com esse problema, quando todos sabemos que é necessária mais habitação e com ela reduzirmos a pobreza das populações.
O segundo desafio nacional é a corrupção, sendo exemplo disso os vários casos de suspeição que recaem sobre os governantes deste país, mas sem esquecer que é nas autarquias onde a corrupção é mais fácil e, por isso, mais apetecível.
Quer em Lisboa, quer no nosso território, é necessária mais transparência e menos subserviência.
Quanto ao terceiro desafio, a liberdade, essa é já, em inúmeros casos, uma miragem.
E quando pensamos em liberdade questionamos logo: será a imprensa livre?
Nos dias de hoje, em que há suspeitas que a Euronews foi comprada pelo governo da Hungria para controlar as eleições daquele país, ou em que os mesmos compraram o jornal I em Portugal, somos obrigados a perguntar se a liberdade anda por aqui.
No caso particular do jornal Cardeal Saraiva, verificamos existir um bloqueio total por parte da Câmara Municipal de Ponte de Lima para com este jornal desde, pelo menos, 2015.
A autarquia limiana não atribui publicidade a este jornal, não responde aos pedidos de reunião solicitados, não responde aos pedidos de informação enviados, nem tão pouco pagou serviços de publicidade no valor de cerca de 9.000 euros.
No dia em que celebramos a liberdade conquistada em Abril de 1974 é triste perceber que esta é a realidade em Ponte de Lima.
Enquanto isso, outras entidades, muitos oportunistas e subservientes ao poder autárquico, sentem-se regozijados pela troca por um emprego, pela edição de um livro, ou pelas obras do caminho lá de casa.
Em 2022, intervim na Assembleia Municipal de Ponte de Lima, e questionei Vasco Ferraz, presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, sobre a postura que a edilidade limiana para com este jornal. Para além de o confrontar com o bloqueio da edilidade para com este jornal, alertei, uma vez mais, para a necessidade de defender parte do património deste jornal, nomeadamente com a criação de um museu de imprensa diferente em Ponte de Lima.
Até hoje, este jornal não recebeu nenhuma resposta. Ao longo destes anos de mandato de Vasco Ferraz, a Câmara Municipal nunca respondeu às nossas solicitações de reunião, não respondeu a inúmeras propostas de publicidade, nem tão pouco respondeu ao pedido de informação para elaboração de notícias.
Aqui chegados, ocorre-me que a última alternativa poderá passar por aproveitar um bom dia de sol para tirar fotografias da minha família. Juntar os meus filhos, registar a alegria do momento e, depois, vaidosamente partilhar no facebook.
Depois restará ter a esperança de que os autarcas locais percebam que o dinheiro que eles gerem no dia-a-dia é o nosso dinheiro.
E nesses dias em que abunda o orgulho em desempenhar o cargo público, é necessário recordar-lhes que eles não são apenas nossos funcionários e nunca os donos disto tudo.
Cinquenta anos depois, os cravos vermelhos, em Ponte de Lima, ainda projetam sombras de uma liberdade comprometida.
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